segunda-feira, 1 de abril de 2013

Sobre o método


Sobre o método e questões afins. O que dá a pensar na experiência nos seminários da pós-gradução do PPGE – Segunda na Pós.  

Por:
Marcos Vinícius Leite.


“Ainda não vos havíeis procurado a vós mesmos: então, me achastes. Assim fazem todos os crentes; por isso, valem tão pouco todas as crenças”. (NIETZSCHE, 1881/2010. p, 92)

“Quem, realmente, nos coloca questões? O que, em nós, aspira realmente ‘à verdade”? (NIETZSCHE, 1886/1992b. p, 35)


As duas citações de Nietzsche indicam, como questão fundamental para o destino do pensamento, o enfrentamento dos processos pelos quais nos tornamos o que somos, do quem viemos a ser e de como nos constituímos em uma forma detentora de um corpo composto por gestos, por voz e por uma língua, produzidos nas relações de poder lançadas no livre e absurdo jogo dos submetimentos e submissões presentes no conjunto de valores cristalizados em uma tradição, portadora das condições de sobrevivência de grupos de indivíduos em um espaço e um tempo de uma época. Sob essa perspectiva, as questões epistemológicas, em um sentido amplo, o acesso ao mundo e ao real, o uso dos instrumentos e métodos, a posse da verdade e a extensão da aplicação do saber, encontram as suas razões de compreensibilidade no confronto com a constituição da forma homem e da produção dos seus tipos ao longo das exigências valorativas de grupos, de povos e de nações. Nesse sentido, a orientação pelo fora, pelas circunvizinhanças, não têm força para ocultar as condições tácitas da produção do sentido ocorridas na efetuação dos corpos e do seu aparato cognoscitivo e epistêmico presentes na diversidade de exigências de cultivo nas demandas das culturas e ou das civilizações. É sob esse signo que iremos ponderar a nossa participação nos seminários da Pós-graduação ao longo dos dois últimos semestres. Não se pretende operar uma genealogia das forças presentes aos temas das pesquisas dos seminários, mas indicar, que a pergunta por um método de pesquisa oculta na sua base uma série de condições valorativas sintonizadas com configurações específicas de relações de poder e de constituição de um tipo para um quem, pois, afinal, o que em nós faz questão?

Método: caminho para se chegar a algum lugar, com fins a pavimentar a universalidade do acesso ou processo pelo qual se instaura um rastro, um rastrear e um rastreado ou imposição de sentidos que inauguram homem e coisas, verdade e acessos, relações e submetimentos, ou...? Três de várias vias possíveis para a compreensão do enigma do conhecimento e da conquista da sua posse.  Na primeira, propõe-se um naturalismo ingênuo, através do qual realidade e sujeito se apresentariam como pontos fixos de uma relação, com fins a abrir vias para a manutenção de acessos controláveis para o submetimento do mundo, dos homens e das coisas.  Sob essa ótica, o conhecimento construído através da razão vinculada à experiência deve alcançar o espelhamento do mundo através da proposição de uma representação que permita atingir os seus objetivos de controlar a positividade do real através do desenvolvimento do conjunto racional do saber. Na segunda, a produção do conhecimento é devedora das condições tácitas presentes à materialidade das suas condições, nas quais objeto e sujeito se definem a partir do conjunto de sentidos que lhe são imanentes e transcendentes a consecução da materialidade da vida dos homens no mundo. Nesse caso, não há um mundo que anteceda a relação que o produza como objeto para uma questão, como também, não há um pesquisador e objetos de pesquisa que não tenham sido formulados por condições objetivas específicas que lhe sejam integralmente imanentes. Na terceira via, sujeitos e mundo se apresentam como sintomas da efetuação das relações do nível invisível das forças. O conhecimento expressaria apenas determinadas condições de conservação inerentes aos processos de efetivação dos valores decorrentes do modus operantes das qualidades e das quantidades das forças, no seu aspecto ativo ou reativo, forte ou fraco. A produção do conhecimento encontrará as suas razões nas genealogias das intensidades das relações instauradoras de sujeitos e mundos.   .    

Desse modo, nos colocamos diante da experiência da exposição da posse de algum saber com fins a problematizar as suas implicações afetivas. Por afetos, tomam-se as expressões daquilo que vige, em processos de afirmação presentes ao devir. As implicações gerais desse viés esvaziam alguns problemas específicos, sobretudo, a partir da falência dos modelos clássicos de verdade, fiadores da compreensão naturalizada da relação estabelecida entre um sujeito e um objeto, na formulação clássica da metafísica na qual o princípio da adequação do intelecto à coisa teimou em se afirmar, modelo prototípico na metafísica platônica. Tomar a pesquisa nessa perspectiva soa-nos como o inusitado daquilo que pretende a produção de um pensar na experiência da participação nos Seminários de Pesquisas nas Segundas na Pós.    

A participação, ao longo dos últimos semestres, na Segunda na Pós possibilitou-me a percepção do amplo espectro da pesquisa em educação desenvolvida no PPGE, permitindo-me a compreensão dos vários objetos e dos caminhos percorridos pelos investigadores das duas linhas de pesquisa do programa de Pós-graduação em Educação. Em linhas gerais, os trabalhos iniciam com a produção de alguma questão e com a escolha de algum método e de referências que se coloquem diante da questão com fins a propor alguma solução para o problema. Nesse sentido, as metodologias propostas tentam e teimam por várias vias esclarecer o problema, no desejo de apreendê-lo de modo mais verossímil possível com o intuito de produzir um saber que possa dominar as suas determinações singulares e ou gerais. De qualquer modo, os objetos em questão se apresentam para um sujeito, detentor de uma razão, capaz de medir e apreender os eventos que pululam no âmbito do acontecer cotidiano da educação.  Contudo, por mais que os objetos e os pesquisadores divirjam, as condições epistemológicas acabam por circunscrever-se às exigências e valorações presentes ao desenvolvimento da metafísica clássica, na qual a verdade apresenta-se como uma das possibilidades do pensamento, desde que, rigorosamente, sigam-se as etapas de um método, quer no empirismo, através de procedimentos indutivos, quer no racionalismo, através de deduções por princípio. Mesmo a via da pesquisa do cotidiano, referenciada na afirmação das inúmeras entradas para a composição dos eventos, teima em conceber o objeto produzido por um sujeito, particularizado nas suas relações como um ser no mundo.  Nesse sentido, a experiência de participar nos seminários, em que pese os resultados das pesquisas e as suas reais condições de apresentarem soluções para os problemas investigados, me permitiu colocar-me diante da minha questão de pesquisa, e da problematização dos pressupostos naturalizados das pesquisas em questão. Nessa perspectiva lanço-me ao exercício de perguntação, do boconismo proposto por Manoel de Barros e da acidez inventiva das metamorfoses nietzcheanas, no intuito de potencializar o estranhamento e de inaugurar possíveis vias. Talvez, por diabrura “substituir um erro pelo outro”. Se não vejamos...

Há um sujeito? Ou apenas conjuntos provisórios de imposições de sentido que exigem determinadas condições para a ocorrência dos eventos? Nesse caso, supor um sujeito alijar-nos-ia da compreensão dos assujeitamentos e das provisoriedades incessantes das repetições e das suas diferenças – termos caros a Deleuze, na sua interpretação da teoria das forças em Nietzsche. Supor assujeitamentos, e não sujeitos, implica em fazer explodir a velha dicotomia metafísica de um sujeito diante de um objeto e redefinir o pensamento como processualidades, como expressão da demanda afetiva de sentido no invisível mundo das forças e das suas atuações e não a certeza de fazer parte de um aparelho passivo diante de um objeto que se revela a revelia do observador. A noção dura de sujeito acaba por escamotear a complexidade na qual se enredam aqueles que se põem a pesquisar, pois, afinal, como nos tornamos o que somos? Claro, aquele que pretende investigar as coisas, os outros, as instituições, pode se dar o privilégio de não se colocar em questão, porém, não podemos desprezar o quão sintomático se revela tal esquecimento para a compreensão geral do problema do conhecimento e das reverberações epistemológicas afins. Para encerramos, colocaremos em questão a validade da verdade diante da inevitável provisoriedade do conhecimento, pois a inversão proposta por Nietzsche não seria um convite para a abertura de produções outras de sentidos, situadas aquém e para além do uso apenas moral do conhecimento e da verdade? Se método e verdade se equivalem não teríamos condições de saltar sobre as dicotomias com fins a experenciar de outro modo a construção da percepção e das invenções de meios racionais para atingir algum nível de codificação para o já decodificado real? Entretanto, novamente caímos no esquecimento da questão fundamental, pois o que em nós faz questão?      
   
“Num ponto qualquer afastado do universo que se expande no brilho de inumeráveis sistemas solares, houve uma vez uma estrela na qual animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais arrogante e mais enganoso da ‘história universal’: mas foi apenas um minuto. Depois de alguns suspiros da natureza, a estrela congelou e os animais inteligentes morreram. Esta é a fábula que alguém poderia inventar, sem conseguir, contudo, ilustrar que lamentável excepção, vaga, fugitiva e vã, o intelecto humano constitui no seio da natureza. Houve eternidades em que ele não existiu; e se o mesmo acontecesse agora, nada se passaria. Pois não há para este intelecto uma missão mais vasta que exceda a vida humana.” (NIETZSCHE, 1873/1999, p, 05)


A fábula de Nietzsche, apresentada em 1873, no texto póstumo, Verdade e mentira no sentido extra-moral, nos coloca diante da arrogante pretensão humana de desconsiderar que a sua construção de mundo brota de processos que instauraram determinados horizontes de sentido, e não espelham alguma realidade do mundo através do potente aparelho da razão no exercício apriorístisco das suas faculdades. No limite, teríamos que nos aventurar ao mar e céu abertos na falência dos modelos clássicos de conhecimento, pois, de que modo iremos realizar pesquisas no abandono das noções clássicas de método e verdade? Haveria ainda algo a ser procurado, alguma coisa ainda a se encontrar? Haveria sujeito a partir do qual e para o qual algum encontro com o objeto genuíno dar-se-ia? Haveria a necessidade de encontrar algum mecanismo sob o real com fins a alcançar a posse e o controle total do mundo? E, no caso da educação, seríamos ousados o suficiente para pensarmos para além da idéia de um sujeito fixo, de uma instituição fixa e de todas as reverberações que ainda encontramos nos ruídos sonoros das nossas pesquisas? E, de modo geral, se somos a instauração mesma dos processos de interpretação, haveria ainda algo ou algum a ser descoberto, ou apenas o esforço estético de ampliação dos espaços de expressão de corpos, gestos, voz e língua outros ainda potentemente possíveis?   


“A linguagem sonha.”
(BACHELAR, 1978/1978, p, 15)

Trata-se de uma indagação. De colocar-se diante de um questionado formulado em questão. Por questão toma-se a violência que instaura um assombro em algo, com algo e por algo – limite finito da afirmação que brota como aparência. É da condição da aparência impor-se como assombro, estabelecendo-se como um possível em uma questão. Jogar-se no assombro de um questionamento denomina-se também de pensamento. Um dos modos do pensamento é se lançar como pensar e se mover em um questionamento – transitando nas vielas de algum sentido. No caso, trata-se da ocorrência da apropriação. Como se dá a apropriação e não como se deve dar uma apropriação. O fato da apropriação apresenta-se no visível do mundo, na sua emergência como ininterrupta aparência.  

Trata-se da apropriação. O remetimento semântico indica uma relação de proximidade entre a apropriação e o significado do pronome próprio.  O próprio - adj. Pertencente, adequado. Carregado e imanente ao sentido do Vb. Ser propriedade ou parte de. Do lat.  Perteecer -  Adequar: adaptar, tornar próprio.  Pertencer, adequado. Ser propriedade ou parte de...
Não se trata da propriedade de algo, de alguma essência.  Indaga-se o fato da propriedade e das suas condições, com fins a problematizar a questão de como se dá uma posse. Como se apresenta na paixão da posse a questão da apropriação?  Posse, possessão e apropriação se dão como o a se pensar do questionado da questão.

A posse advém no entre de uma relação.  Possuidor e possuído se jogam no entre da sua relação. É da condição da posse que aquilo que se passou a possuir lance-se anteriormente como o a se possuir. É na relação do encontro que se estabelece o a se possuir que o jogo da sua presentificação se fez no instante da possessão. Habitar o jogo da possessão surge-nos como o mergulho no questionado da questão. 

Por propriedade toma-se o pertencer a alguém. Um modo possível de ser da possessão. Por possessão compreende-se o estar em profundo acordo com. Por acordo, denomina-se o submetimento ocorrido em um conflito. Acordar dá-se no processo que se instaura e se insinua na relação de possessão. É da ordem do acordo um jogar. No jogo, a ludicidade da afirmação encontra-se na tonalidade afetiva da sua aparência, no trânsito da sua querença;   

No pertencer a alguém expressa-se um modo do pertencimento. O dar-se como um acessório – uma bolsa, uma caneta, uns óculos... Nesse caso, o pertencer se dirige à superfície em algo ou de algo. Porém, pertencer, diz também, do mais próprio. Nesse caso, o pertencido ressoa no próprio e com o próprio. Por próprio toma-se o si mesmo. No si mesmo do próprio reside a condição da possessão da posse. Para aquém do possuído e do possuidor há o encontro que se instaura na relação da posse. Não se pode propor a posse sem o contato que a institui como possível – os jogos das possessões.

Indagar sobre a posse lembra-nos um possuidor. Indagar sobre o possuidor exige-nos um próprio. Propor um próprio como condição da posse lança-nos à possessão. A possessão se dá em uma relação, em um modo de se dar do encontro, em que as submissões tomam forma. Por submissão toma-se o exercitar-se das atuações. Por atuações compreende-se o modo de se dar das ocorrências. De algum modo, as ocorrências são a expressão de relações de possessão. Na possessão instaura-se um efetivar em uma direção.

O apropriar-se é um submeter ou submeter é condição do apropriar-se?

Habitar sob a influência de um determinado horizonte de sentido. Por sentido toma-se a condição que instaura um conjunto finito de significados. Os significados encarnam a sua forma na imersão em um sentido, do brotar em um sentido. A relação entre o sentido e o significado não se dá por referência. A relação entre os sentidos se dá por influência. Por influência, toma-se o modo de ser de alguma atuação. A condição da influência dá-se no fluir. Do lat. Fluere. Dar-se como sentido é expressar-se como fluxo. No fluxo dá-se um perpétuo jorrar. É da condição do sentido brotar incessantemente com expressão do fluxo que se impõe. Um modo de ser do fluxo é expressar-se como sentido. Por expressão toma-se a reincidência em um modo de ser do sentido. 

Do modo de ser na relação entre sentidos no horizonte da apropriação.

Se os sentidos impõem incessantemente, qual seu modo de interrelação? O que se impõe almeja perdurar com fins a expandir o seu mesmo e a sua diferença. Por existir toma-se o fato de emergir como sendo em uma aparência.  De qualquer modo, na aparência teima a presença de um sentido que se impõe. Em qualquer aparência se expressa o efetivar de um sentido, sua pretensão de compor um significado a partir de si. A pletora de significados aponta para a divergente diversidade dos sentidos.  

Na apropriação mantém-se o jogo das imposições que carregam o destino de um sentido. A imanência do sentido, quando da apropriação, instaura-se na pletora dos afetos. Por afetos toma-se a brotação na qual emerge o significado de um determinado horizonte de sentido. Afetos, sentidos e significados roçam a si mesmos nos jogos do tempo e da eternidade. Para além do afeto nada há. Em qualquer afeto mantém-se a afirmação da mesmidade da sua diferença. É da ordem dos afetos fazer o dizer em um língua a aparência do que são.  Nas aparências do mundo jogam-se e se dispõe a pletora dos afetos.

Do encontro na gratidão.  

Uma das passagens possíveis aos afetos denomina-se linguagem. A linguagem pode se dar como uma língua na composição com a cor, na composição com o olfato, na composição com o som, e na composição com o tato. A forma de uma língua abriga-se em um horizonte de sentido possível. Trata-se nesse caso da composição com o som. A língua fala... No encontro com a língua falada depara-se com a imposição de um sentido que se impõe na sua mesmidade e diferença. No encontro com um texto advém o seu significado. Para aquém do dito de um texto nada há – a imanência do seu impor funda-lhe. Encontrar-se com textos é dar-se na possessão. Ser apropriado por, jogar-se em um mergulho em um sentido que permanentemente se impõe é o destino do leitor. Gratidão é modo de ser da relação do encontro com o texto, do leitor... As suas núpcias... A sua fecundação... Por fecundação toma-se o submeter-se do próprio na apropriação. É do signo da apropriação também dominar, de propor-se em um salto, fecundar-se é um assimilar. Assimilar é fazer imperar em uma direção, propor um submeter. 

O império do som e o destino da apropriação.

Na repetição de uma forma dá-se uma formação. A condição da repetição é afirmação de um sentido em uma direção. A incorporação soa como a constituição em uma repetição e a apropriação, o modo de ser da repetição em uma direção. Apropriar dá-se no jogo do sentido e da sua repetição nos jogos da pletora dos afetos. O impedimento de uma apropriação se dá na soberania de uma forma, o que rompe é a experiência da submissão.

Distantes estão os pássaros de rapinagem, 
sobrevoam as aldeias.

Quando olham,
apequenam e planificam a  superfície do plano.

Outrora, mergulhavam com rapidez.
Nas garras, trazem suas presas.

Agradeço, humildemente, agradeço.



Referências Bibliográficas.

BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Abril Cultural, 1978/1978.

HEIDEGGER, M. Qu’est-ce que la Philosophie? São Paulo: Nova Cultural, 1955/1999.

DELEUZE, G. A filosofia de Nietzsche. São Paulo: Rés Editora. 1987/1999.

NIETZSCHE, F. O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo. São Paulo: Cia das Letras, 1870/1992a.  

______________. Além do bem e do mal. São Paulo: Cia das Letras, 1886/1992b.

______________. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Cia das Letras, 1881/2010.

______________, Verdade e mentira no sentido extra-moral. São Paulo: Conexões, 1873/1999.

______________. A vontade de poder. Rio de Janeiro: Contraponto. 1888/2008.

PLATÃO. A apologia de Sócrates. São Paulo: Nova Cultural, V a.c/1999.

ROLNIK, S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina, 2007.

SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e representação. Porto: Rés, 1980.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Da apropriação, na imanência da pletora dos sentidos.


Da apropriação, na imanência da pletora dos sentidos.
Por:  Marcos Vinícius.
“A linguagem sonha.”
Bachelard, G.

Trata-se de uma indagação. De colocar-se diante de um questionado formulado em questão. Por questão toma-se a violência que instaura um assombro em algo, com algo e por algo – limite finito da afirmação que brota como aparência. É da condição da aparência impor-se como assombro, estabelecendo-se como um possível em uma questão. Jogar-se no assombro de um questionamento denomina-se também de pensamento. Um dos modos do pensamento é se lançar na dança do pensar e se mover em um questionamento – bailando nas vielas abertas por algum sentido. No caso, trata-se da ocorrência da apropriação, do fato da apropriação. Como se dá a apropriação e não como se deve dar uma apropriação -  há um imbricação visível entre o fato da apropriação e o seu assim se deve. O fato da apropriação apresenta-se no visível do mundo, na sua emergência como ininterrupta aparência.   
Trata-se da apropriação. O remetimento semântico indica uma relação de proximidade entre a apropriação e o significado do termo próprio.  O próprio - adj. Pertencente, adequado. Carregado e imanente ao sentido do verbo - Ser propriedade ou parte de. Do lat.  Perteecer -  Adequar: adaptar, tornar próprio.  Pertencer, adequado. Ser propriedade ou parte de...
Não se trata da propriedade de algo, de alguma essência.  Indaga-se o fato da propriedade e das suas condições, com fins a problematizar a questão de como se dá um possuir. Como apresenta-se na paixão da posse a questão da apropriação?  Posse, possessão e apropriação se dão como o a se pensar do questionado da questão.
A posse advém no entre de uma relação.  Possuidor e possuído se jogam no entre da sua relação. É da condição da posse que aquilo que se passou a possuir lance-se anteriormente como o a se possuir. É na relação do encontro que se estabelece o a se possuir que o jogo da sua presentificação se fez no instante da possessão. Habitar o jogo da possessão surge-nos como o mergulho no questionado da questão.  
Por propriedade toma-se também o pertencer a alguém. Um modo possível de ser da posse – afundada nos limites de sentido da possessão. Por possessão compreende-se o estar em profundo acordo com. Por acordo, denomina-se o submetimento ocorrido em um conflito. O acordar dá-se no processo que se instaura e se insinua na relação de possessão. É da ordem do acordo um jogar. No jogo, a ludicidade da afirmação, encontra-se na tonalidade afetiva da sua aparência, no trânsito da sua querença;   
No pertencer a alguém expressa-se um modo do pertencimento. O dar-se como um acessório – uma bolsa, uma caneta, uns óculos... Nesse caso, o pertencer se dirige à superfície em algo ou de algo. Porém, pertencer, diz também, do mais próprio. Nesse caso, o pertencido ressoa no próprio e com o próprio. Por próprio toma-se o si mesmo. No si mesmo do próprio reside a condição da possessão da posse. Para aquém do possuído e do possuidor há o encontro que se instaura na relação da posse. Não se pode propor a posse sem o contato que a institui como possível – os jogos das possessões.
Indagar sobre a posse lembra-nos um possuidor. Indagar sobre o possuidor exige-nos um próprio. Propor um próprio como condição da posse lança-nos na possessão. A possessão se dá em uma relação, em um modo de se dar do encontro, em que as submissões tomam forma. Por submissão nomea-se o exercitar-se das atuações. Por atuações compreende-se o modo de se dar das ocorrências. De algum modo, as ocorrências são a expressão de relações de possessão. Na possessão instaura-se um efetivar em uma direção.
O apropriar-se é um submeter ou submeter é condição do apropriar-se?
Habitamos sob a influência de um determinado horizonte de sentido. Por sentido toma-se a condição que instaura um conjunto finito de significados. Os significados encarnam a sua forma na imersão em um sentido, do brotar em um sentido. A relação entre o sentido e o significado não se dá por referência. A relação entre os sentidos se dá por influência. Por influência, toma-se o  modo de ser de alguma atuação. A condição da influência dá-se no fluir. Do lat. Fluere. Dá-se como sentido é expressar-se como fluxo. No fluxo dá-se um perpétuo jorrar. É da condição do sentido brotar incessantemente com expressão do fluxo que se impõe. Um modo de ser do fluxo é expressar-se como sentido. Por expressão toma-se a reincidência em um modo de ser do sentido.  
Do modo de ser na relação entre sentidos no horizonte da apropriação.
Se os sentidos impõem incessantemente, qual seu modo de interrelação? O que se impõe almeja perdurar com fins a expandir o seu mesmo e a sua diferença. Por existir toma-se o fato de emergir como sendo em uma aparência.  De qualquer modo, na aparência teima a presença de um sentido que se impõe. Em qualquer aparência expressa-se o efetivar de um sentido, sua pretensão de compor um significado a partir de si. A pletora de significados aponta para a divergente diversidade dos sentidos.  
Na apropriação mantém-se o jogo das imposições que carregam o destino de um sentido. A imanência do sentido, quando da apropriação, instaura-se na pletora dos afetos. Por afetos toma-se a brotação na qual emerge o significado de um determinado horizonte de sentido. Afetos, sentidos e significados roçam a si mesmos nos jogos do tempo e da eternidade. Para além do afeto nada há. Em qualquer afeto mantém-se a afirmação da mesmidade da sua diferença. É da ordem dos afetos fazer o dizer em um língua a aparência do que são.  Nas aparências do mundo jogam-se e se dispõe a pletora dos afetos.
Do encontro na gratidão.   
Uma das passagens possíveis aos afetos denomina-se linguagem. A linguagem pode se dar como uma língua na composição com a cor, na composição com o olfato, na composição com o som, e na composição com o tato, etc. A forma de uma língua abriga-se em um horizonte de sentido possível. Trata-se nesse caso da composição com o som. A língua fala... No encontro com a língua falada depara-se com a imposição de um sentido que impõe-se na sua mesmidade e diferença. No encontro com um texto advém o seu significado. Para aquém do dito de um texto nada há – a imanência do seu impor-se funda-lhe. Encontrar-se com textos é dar-se na possessão. Ser apropriado por, jogar-se em um mergulho, em um sentido que permanentemente se impõe, é o destino do leitor. Gratidão é modo de ser da relação do encontro com o texto, do leitor... As suas núpcias... A sua fecundação... Por fecundação toma-se o submeter-se do próprio na apropriação. É do signo da apropriação também dominar, de propor-se em um salto,  fecundar-se também é um assimilar. Assimilar é fazer imperar em uma direção, propor um submeter. 
O império do som e o destino da apropriação.
Na repetição de uma forma dá-se uma formação. A condição da repetição é afirmação de um sentido em uma direção. A incorporação soa como a constituição em uma repetição e a apropriação o modo de ser da repetição em uma direção. Apropriar dá-se no jogo do sentido e da sua repetição nos jogos da pletora dos afetos. O impedimento de uma apropriação se dá na soberania de uma forma, o que rompe é a experiência da submissão.


Distantes estão os pássaros de rapinagem, 
sobrevoam as aldeias.
Quando olham,
apequenam e planificam a  superfície do plano.
Outrora, mergulhavam com rapidez.
Nas garras, trazem suas presas.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Notas sobre o encontro com textos.



De resto abomino tudo aquilo que me instrui sem aumentar imediatamente a minha atividade.
Goethe. Carta a Erckeman.

Esse breve ensaio brota de um assombro! Nasce da desconfiança de alunos frente à leitura de textos filosóficos. Indaga sobre as possíveis relações entre os vivos e os mortos, entre o instante reificado por uma memória e a presença de um passado expresso na escrita de um filósofo. Tergiversa sobre a acusação: o pensar dos filósofos é um impedimento ao pensamento. Constituem-se como uma barreira à experiência de se abrir ao mundo, de se abrigar ao problemático do existir. Por essa razão, incapazes de instaurar pensares e esculpir pensadores. A História da Filosofia e as exigências inerentes à teia conceitual de um pensamento são um grande empecilho para o exercício do pensar! Essa denúncia brotou dos paticipantes de uma disciplina.
 
A disciplina pretendia situar implicações das filosofias da diferença nos horizontes da educação. O curso orientou-se pela questão do corpo no pensar de Nietzsche e Deleuze. No decorrer das aulas, vários textos foram apresentados, entre eles, uma passagem de Assim Falou Zaratustra, intitulada, Os desprezadores do Corpo. Um longo debate se deu em função da exposição de alguns elementos compreensivos do texto de Nietzsche. A exposição sobre o tema do corpo em Nietzsche ficou sobre responsabilidade de um dos alunos que cursava a disciplina. A escolha do aluno se deu por seu interesse na questão e por sua aproximação ao pensamento de Nietzsche.
Interessa-nos deslocar alguns elementos da relação que se estabeleceu entre os alunos, a fala daquele que pretendeu comentar e mediar o texto e a presença da História da Filosofia no encontro dos estudantes e ouvintes da pós-graduação mediada pela fala de Nietzsche.
A relação estabelecida entre esses três elementos é um dos traços comuns à construção de aulas de filosofia, nas quais habitam alunos, professores de filosofia e textos de filósofos, chancelados pela História da Filosofia. Esse triângulo relacional apresenta-se como um modo comum daquilo que ocorre na formação em filosofia e corriqueiramente com aulas nas disciplinas de filosofia. Alunos, texto e um professor. Professor, alunos e um texto; Texto, alunos e um professor; professor, texto e uns alunos; Presente, passado e futuro; Instante, memória e fragmentos... Trivialidades...  Trivialidades... E, se?!

O encontrar dos encontros.  

“Mas todos os fins, todas as utilidades são apenas indícios de que uma vontade de poder se assenhoreou de algo menos poderoso e lhe imprimiu o sentido de uma função; e toda a história de uma coisa, um órgão, um uso, pode desse modo ser uma ininterrupta cadeia de signos de sempre novas interpretações e ajustes, cujas causas nem precisam estar relacionadas entre si.” (NIETZSCHE, 1888/2001, pg. 66).

Como se dá um encontro? Quando ocorre um encontro? Do lat. de cŏntra – defrontar-se. Estabelecer-se junto e diante de. Fluxos ininterruptos de tensão permanente. Um dar-se diante de com fins a impor o sentido que expressa um horizonte de necessidade, tornando visíveis as condições demandadas por sua efetivação. No jogo do encontro se dá a clareira da pletora. Debate constante de forças que almejam a extensão do domínio.  Não se pode pretender-se ao encontro sem a presença do que se encontra nos encontros: o caráter hegemônico da tensão dos afetos que impõe sua atuação. Por presença no que se encontra tomam-se os afetos de mando que expressam ininterruptamente suas reivindicações de poder. Dão-se como uma imposição, nos choques e entrechoques que tornam visíveis o ímpeto de hegemonizar suas hierarquias. Trata-se em todo caso de esculpir, estruturar, dar forma e voz.  Nesse nível habitam apenas graus. Graus que expressam modos de atuação em que se efetivam a afirmação de determinada condição perspectival. Exigências valorativas, formas e sintomatologias, eis a situação relacional da forças. Nos encontros povoam-se mundos...  
Desse lugar, não nos é permitido supor qualquer passividade nas relações em que se dão os encontros, pois o jogo das disputas é o e-vidente no encontro. Textos que se afirmam, alunos que se afirmam, professores que se afirmam, vozes e ouvidos que se afirmam. Trivialidades? Passividades que se sujeitam aos mandos e às obediências ou imposições de sentido e destino. Ludicidades? Um uso, um órgão, funções que se estabeleceram em um devir carregado de oposições e disputas. Trata-se em último caso de condições de sobrevivência.  
O que devém no encontro apresenta-se em devir, pois que algo há, que sendo, não deveio e ainda não deverá? Sem interlocutor um texto perdura como uma sintomatologia. Descendo as suas exigências, contempla-se os seus graus... os seus modos de hierarquizar e exigir. Mesmo em silêncio um texto expressa suas condições de inteligibilidade, seus sins e nãos, suas vidas e mortes. Na poeira da estante paira o exemplar de uma vida. Escrita e vida são indissociáveis. Qualquer palavra de um mundo possível nasce dessas condições.
Desnaturalizando as relações nos encontros.
Um eu previamente existente? Uma compreensão previamente existente? Um aluno previamente existente? Ou, modos de ser das relações? Relar, esbarrar em um enfrentamento. As condições exigidas por um eu supõem o conjunto de valores que constroem seu estilo. Por estilo tomamos as configurações em uma determinada forma. Estilizar é o resultado das disputas que se dão nos encontros. Estilo é o resíduo provisório da pletora dada nos encontros.  No encontro as disputas clamam pela emergência do novo, da instituição de uma outra configuração. A noção de agenciamento é potente, pois indica que a construção se dá na relação que constitui um outro possível da experiência de ser e estar no mundo. Encontrar é dar-se no aguardar de uma provisoriedade... Uma espécie de gratidão. As inumeráveis possibilidades de encontro sugerem provisoriedades indefinidas de formas. A provisoriedade de uma forma dá-se no jugo ininterrupto das disputas no nível molecular das forças. Um texto, um professor, um aluno, estilos que se apresentam no visível, no campo frutífero da instituição das formas. A plasticidade como a resultante do encontro em que se agenciam as relações.

Do presente, do passado e do futuro. 

Um modo de ser do encontro dá-se com o passado, porém quanto de passado exige e suporta um presente? Por presente toma-se a resultante daquilo que se afirma no instante do agora. A afirmação remete para a estilização de uma hierarquia provisória, no jogo ininterrupto dos encontros que firmam relações. O presente é o durar de um instante da forma.
Quanto de futuro exige e suporta um passado? No jugo daquilo que se afirma na memória do presente mantém-se parcelas de passado, de estilos que se revisitados por outras épocas – conjunto de estilos que se sobrepõem em determinado momento – exigirão suas condições de afirmação, ousando perdurar nos encontros que virão.
Encontrar com parcelas afirmativas de estilos passados figura-nos como o convite ao encontro, porém, quanto de passado exige um presente? Há passados que ainda são futuros? Há passados que ainda tornar-se-ão presentes? Nesse ponto reside o trânsito em que se afirmam parcelas infinitas de passado. As relações vitais que se podem estabelecer entre o presente e o passado apresentam-se como o a se pensar da nossa questão, pois quanto de passado exige e permite o nosso presente? A superação do instante no presente acaba por exigir a memória, mas quanto de memória necessita o presente? Memória e presente, passado e presente, memória e instante como indicies de relações que se efetivam em direção a uma vitalidade.
Por vitalidade toma-se a capacidade de tornar próprio o que é distante, de se esculpir em uma relação a partir de outras exigências. Se em nós a memória figura como um escape do instante, de uma abertura para um sentido para além do instante e da sua fluidez permanente, possibilitando zonas de permanência, por outro lado, pode vir a cristalizar momentos, construir monumentos. Após o advento da memória, o risco que se corre é de se perder na conservação do mesmo, na busca de afirmar uma identidade e com fins a preservação das semelhanças, sua conservação. A memória nos salva do instante, mas pode nos aprisionar na lógica do mesmo. A memória como a cristalização de uma hegemonia, da expressão de um estilo em uma forma. O contato com zonas de passado, através da memória, nos coloca diante da pletora das interpretações, do jogo das interpretações.

A História da Filosofia e a presença da memória no presente.
Uma vida que quer se afirmar para além da provisoriedade do instante exige a permanência? A permanência exibe as condições valorativas nas quais se estrutura e se cristaliza um estilo que expressa um modo de ser e de se dar um mundo. O encontro com o texto de outrem supõe a pletora das relações entre os afetos. Entrar em relação com um texto do passado, revisitando-o no presente, é praticar o agônico da construção da forma. Desse modo, não nós é permitido ir aquém desse limite das relações, pois trata-se da hegemonia de uma forma e de um estilo – de uma tática. Reduzir a compreensão ao jugo das forças é instaurar a pletora, quer diante da memória, quer diante da suspensão provisória do instante. Porém, como se dá no jogo das relações a assimilação? Trata-se de deixar-se determinar pelo sentido que se manifesta nas suas exigências vitais?
A História da Filosofia se constituiu um empecilho ao pensamento quando sua compreensão efetiva-se apenas como lembrança, como resido sonoro de um dito, de uma vida. Sem o arrombamento é sempre inócua, apesar de ser um modo possível da relação! A exigência da mera lembrança soa como paradoxal, pois como é possível distinguir as exigências de incorporação de uma relação em que o jogo das tensões se afirma e o mero exercício de decorar, de se aproximar com fins apenas ao saber?  Indicie crítico: ser como os gregos: o que apreendiam, logo queriam viver? Como viver aquilo que se apreende como passado se o passado mesmo já não é mais possível?  Uma sabedoria ética diante do exercício de distanciar-se de si mesmo, de abrir mão da hegemonização do mesmo de si... Gratidão, como espaço fundante da compreensão. Contudo, quanto de gratidão supõe e exige um presente?

Na senda de uma relação. O intempestivo e a abertura ao devir do que há. O homem louco e o anúncio de algo para além do tempo!

“O jogo do mundo, imperioso,
Mistura ser e aparência: -
O eterno-insano
Nos mistura dentro!...

É conhecido o anúncio da morte de Deus, pelo Homem louco, em Gaia Ciência. “Nunca ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: ‘Procuro Deus! Procuro Deus!’? Um dito, um escrito, uma constatação e uma exigência. Uma porção de presente e de afirmação em um estilo para um tempo que ainda não. Um dito: propõem em uma linguagem a construção de um sentido que instaura um mundo outro para o Ocidente. Procurar Deus em plena manhã, procurar Deus em pleno vigor do idealismo alemão – a flor do esclarecimento do séc. XVIII e das pretensões legitimadoras da razão transcendental kantiana. Procurar Deus em meio a nova aurora que se anuncia e se apresenta -  quanto de loucura suporta a razão, e quanto de loucura há na razão? Dito por um homem que ultrapassa o tempo por reconhecer demasiadamente suas intenções, em um salto para além do humano e da suposta sanidade da razão. Um dito que põe uma interrogação onde havia uma simples e fulgurante afirmação – eu, Deus, sou a verdade! A constatação: a maior invenção humana é destronada com a certeza de que sua procura é vã, pois o que sempre esteve à mão, não mais se encontra, pois ‘Para onde foi Deus?, gritou ele! O a se pensar da questão põe em sua vidência o problema que nos diz respeito, pois o presente de Nietzsche estava a altura das suas exigências? Os homens da praça pública estão a altura daquilo que o seu tempo exige-lhes? O homem louco não deixa dúvidas: “Eu venho cedo demais!”
Cedo demais! Feito um raio! Ser portador de uma exigência, de uma inusitada experiência. Sobretudo, na densidade de uma experiência. Na experiência instaura-se uma outra disposição de forças, uma nova configuração no plano das formas e da composição de um estilo. Cedo demais! A questão da assimilação aciona o sentido da impropriedade, uma distância que convida ao encontro, contudo exibe a diferença nas avaliações e do jogo de signos expressivos de uma sintomatologia específica. Estar no tempo, ser filho do tempo, contudo para além do tempo. No tempo e contra o tempo com fins a afirmar o advir. Seria o para além do tempo a condição pela qual um pensamento inaugura um mundo? Seria a exigência de outro modo de pensar, na sinfonia do pensamento, correlata à negação do tempo, da violência que torna sensível a presença mesma do pensador e do pensamento? O que dá a pensar, figura como signo de uma exigência outra, de uma aurora?

O mergulho no pensamento e a experimentação do assombro.
O incomodo gerado pela presença de um pensamento, o deslocamento exigido pela sentido imposto por uma configuração outra, soa-nos como o paradoxal do encontro com o pensar de um autor, pois se já sabíamos daquele pensar ou se o assimilamos sem algum violência, não houve pensar. A assimilação pela semelhança reduz a diferença ao mesmo de uma identidade. Sua exclusão retira-o do universo da compreensão por abolir o embate. A tensão, via de regra, afirma-se nos afetos disparados por um pensamento, das suas implicações nos âmbitos do ser e estar no mundo. Um pensamento que não arromba, que não violenta, não é capaz de restituir o assombro a partir do qual nasceu. A pertubação, a desorganização gerada pelo  esbarro com exigências outras pode instaurar a potência de mergulhar na experiência que o gerou?... Pensar a partir da História da Filosofia é uma re-sensibilização daquilo que disparou os processos da produção daquele conjunto de signos. O balbucio nas línguas, no gozo do pensador na linguagem, não é capaz de esgotar as exigências sensíveis pelas quais o pensamento brota. Vir cedo demais.  Não ser desse tempo marcam os pensares e os pensadores na Terra! A fuga aos portos seguros da afirmação daquilo que já se sabe, da identidade na dessemelhança, e da manutenção de uma memória são apenas indícios do jogo que pretende perdurar suas afirmações. Desse modo, a História da filosofia,  no conjunto dos seus textos, é um desafio para aqueles que como o mundo jogam a partida até o seu lance último: a abertura... Nada mais humano... Manter-se protegido, abrigado, por uma fresta de luz, e porque não, de sombra...  À luz do mesmo, nada sobrevive, apenas a semelhança pode-se afirmar: Venho cedo demais... Deus morreu!  Somos nós, eu e tu, os seus assassinos... Tornar sensível a experiência de um pensar...
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Uma velha e forte porta foi abandonada a cães bravios.
No início, desconheciam a profundidade da possibilidade.                         Poderiam comer uns aos outros, poderiam deixar de ser.                                                            Mesmo o lugar da porta velha deixaria de ser e um grande nada viria a perdurar sobre todos os seguintes anos...                                                                            Na altura do uivo, um cão surdo, aos prazeres da lua, desferiu o seu golpe: temos ainda o que somos...                                                                Celebraram festivamente aquela noite... Como crianças queimaram portas pelo caminho -                                                                                                                 Se temos chaves, de que valem portas?